O GUARDA-CHUVA INCOMUM
João Bosco Miquelão
Tempo de
estudante. As radionovelas coexistiam com uma televisão incipiente e as
alfaiatarias ainda não haviam desaparecido, pois o traje dos bailes aos
domingos ainda era paletó e gravata. Os sapatos tinham que estar bem
engraxados, e somente usávamos tênis para praticar esportes.
A capa, o
chapéu de xantungue e o guarda-chuva eram peças inseparáveis do homem da cidade
na época das chuvas. Usado sem constrangimento pelos jovens, o guarda-chuva não
era um objeto "careta". Havia verdadeiras obras de arte com
incrustações em prata, cabos de madrepérola, detalhes em marfim ou finos
desenhos esculpidos em madeira de lei, que permitiam aos mais idosos,
saudosistas, a revivescência, ainda que simbólica, das elegantes bengalas -
moda desaparecida há muitas décadas.
Aos domingos
à tarde, tínhamos o hábito de contar anedotas, apostar no jogo de palitos ou
apreciar as moças que faziam o footing à
porta do café. Eventuais brincadeiras com alguém do grupo também faziam parte do
nosso passatempo. Certa vez uma brincadeira dessas teve resultado inesperado.
Meu amigo
possuía um guarda-chuva incomum, especial, cujo cabo, lindamente trabalhado,
segundo não cansava de afirmar, era obra de um artesão chinês. Estávamos
habituados a ouvir "não existe outro igual", motivo que nos levou a
nutrir um desejo secreto: esconder o inseparável objeto que dava ao seu
proprietário tanta satisfação e lhe conferia um ar de morador londrino.
Aquele
domingo de julho estava frio e chuvoso. Todos usávamos guarda-chuvas. Ao
sairmos do café percebi o cimélio pendurado ao balcão. Era a oportunidade que
esperava! Meu amigo, que saíra à frente e nos aguardava à porta do café,
esquecera o guarda-chuva! Não perdi tempo. Escondi-o sob a capa, antegozando,
sadicamente, a aflição que a brincadeira causaria ao companheiro. Dei alguns
passos em direção à porta. Alguém tocou meu ombro. Virei-me. Um senhor de
meia-idade, desconhecido, em tom calmo, proferiu uma frase que soou como
pedradas: "Este guarda-chuva é meu!”.
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