domingo, 2 de janeiro de 2022

CRÔNICA DE HOJE

                                                     A visita do Presidente

João Bosco Miquelão

 

Com o início de sua construção, em 1957, a Usina de Três Marias era considerada pelo Presidente JK como uma das mais importantes obras de seu governo.

A maior barragem de terra do mundo àquela época tinha a função de regularizar a vazão do Rio São Francisco, atenuando as terríveis enchentes que atormentavam periodicamente a cidade de Pirapora. A conclusão da obra também propiciaria ao grande rio chegar com pouca alteração de volume na região do Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso, quer na seca, quer na época de chuvas.

Três Marias também irrigaria o cerrado e geraria quase 400 mil kW, uma importante contribuição para uma indústria que crescia e demandava energia elétrica desesperadamente.

O acampamento dos que trabalhavam na obra era uma pequena cidade com comércio e dotado de vários serviços essenciais - correios, corpo de bombeiros e até uma delegacia de polícia e clube de recreação.

Depois de concluída a obra, em 1962, todas as edificações e sua infraestrutura passaram a fazer parte do distrito de Barreiro Grande, do município de Corinto, nome da localidade de Três Marias antes de emancipar-se.

Mas, voltemos à época da construção da grande usina. O acampamento dos norte-americanos era admirado por sua beleza e organização. Cada casa era pintada com uma cor diferente, cada uma ostentando um belo jardim e uma placa com o nome da família moradora – Rohrman’s, White’s, Mc Cormack’s etc.

Durante o seu governo, Juscelino fez várias visitas-surpresas ao canteiro de obras da usina. O administrador geral da construção já ficava arrepiado quando via na mão do contínuo o radiograma com a palavra urgente impressa em vermelho, uma mensagem que avisava sobre o pouso do bimotor Beechcraft com uma antecedência que raramente excedia 30 minutos.

A correria era geral, pois a visita do Presidente sempre coincidia com o horário de almoço, e o frango com quiabo, prato predileto de Juscelino, não podia faltar.

Essas visitas do Presidente continuaram cada vez mais frequentes até o final do seu governo em janeiro de 1961.

Jânio Quadros não chegou a visitar Três Marias nos sete meses em que governou.

Na programação para a inauguração da grande obra, prevista para o dia 25 de julho de 1962, estava acertada a presença do sucessor de Jânio Quadros, João Goulart.

A administração da obra levou um enorme susto no dia 20 daquele mês ao receber um radiograma do escritório de Brasília com a seguinte informação: “Favor colocar veículo à disposição de João Goulart, que chegará ao aeroporto de Três Marias hoje, dia 20, às 17 h”.

Todos fizeram a mesma pergunta: por que o Presidente faria duas viagens a Três Marias num intervalo de cinco dias? 

E a correria foi geral, como nos tempos de Juscelino. Pelo adiantado da hora, o Presidente certamente iria jantar no acampamento e, provavelmente, até pernoitar no pequeno hotel de visitantes.

 Às 17 horas, pontualmente, o avião aterrissou no aeroporto. A comitiva, composta pelo superintendente da obra, o delegado de polícia e mais alguns funcionários graduados ficaram intrigados com um detalhe fora do comum: por que o Presidente havia decidido viajar num monomotor, um avião tão minúsculo?

E logo o mistério ficou esclarecido: João Goulart, ao descer do avião, mostrou-se visivelmente constrangido com aquela recepção, pois nunca tantas pessoas o haviam esperado na chegada a uma obra. Afinal, ele, João Geraldo Esteves Goulart, era somente o chefe do Departamento de Transportes da empresa.

--- Do livro Plinia trunciflora e outras crônicas (MIQUELÃO, João Bosco. Niterói: Alternativa, 2016 – ISBN 978-85-63749-57-4).