O imitador
mentiroso
João
Bosco Miquelão
Junho de 1980. Geraldo,
conhecido como “Mentirinha”, era um torneiro-mecânico dos bons, mas o que fazia
mesmo com perfeição tinha a finalidade de distrair os amigos: ele era um
excelente imitador, tinha uma mímica impecável e excelentes recursos de voz.
“Mentirinha” gostava de
contar casos, sempre com pinceladas exageradas dos fatos, quando não inventava
detalhes. Na verdade, fazia jus ao apelido, pois era também um exímio
mentiroso.
Fazendo caretas
engraçadas, suas imitações de Pato Donald, Popeye, Cid Moreira, do Presidente
Figueiredo e de muitos outros personagens atraíam os fregueses dos botecos que
frequentava.
Apesar de não ter um
tórax avantajado, Geraldo tinha uma voz poderosa. Se fosse cantor lírico seria
classificado como barítono grave.
Além de imitador, “Mentirinha”
também gostava de pregar peças ao telefone. Alguns amigos chegaram a sofrer com
suas brincadeiras cruéis e maquiavélicas.
Talvez seja lenda:
dizem que ele foi audacioso a ponto de criar embaraços para algumas autoridades
em duas ocasiões no governo militar, quando imitou o Governador Francelino
Pereira, de Minas Gerais, e o General Newton Cruz – este último era conhecido
como dono de uma voz firme e autoritária.
Depois de pregar suas
peças, o imitador gostava de rir das vítimas, contando suas façanhas à roda de
amigos e admiradores.
Era domingo. Uma vizinha
do mentiroso estava saindo para ir à missa das dez horas quando teve que voltar
para atender ao telefone.
Ela ficou pálida,
começou a tremer, não conseguiu conter a emoção e foi à missa com cara de
choro.
Na hora da homilia
estava tranquila e feliz com a boa notícia que daria naquele momento.
O padre termina a pregação
e vira-se para retornar ao altar. Ela fica de pé, levanta a mão e diz em voz
bem alta:
- Quero dar uma boa
notícia ao povo desta paróquia!
A mulher nem espera o
consentimento do padre. Caminha em direção ao sacerdote, sobe um degrau do
presbítero, vira-se de costas para o altar e anuncia:
- Hoje, ao sair de casa
para vir à igreja, recebi um telefonema do Santo Padre. O Papa João Paulo II me
informou que, na vinda à nossa cidade, em julho, pretende visitar uma família
de nosso bairro, e a minha casa foi escolhida! Como estou feliz, minha gente!
O padre fica atônito,
franze as sobrancelhas e não sabe o que dizer.
A comoção é geral.
Murmurinho, risos e até palmas são ouvidas.
Diante da repercussão
causada pelo acontecimento, Geraldo “Mentirinha”, por precaução, achou melhor
não divulgar, imediatamente, mais uma de suas maldades.
Entretanto, essa cautela
durou pouco. O rapaz era vaidoso, e como um guerreiro vitorioso que gosta de
falar de suas batalhas, ele acabou relatando o fato a alguns amigos, repetindo
com fidelidade as palavras com que convenceu a pobre senhora de que era o Papa.
Também pudera! Aquele sotaque polonês convenceria até o
bispo!
E a notícia de que fora
vítima de uma brincadeira de mau gosto chegou aos ouvidos da velhinha.
Indignada com o papel
ridículo que fizera, ela não teve dúvidas: procurou a polícia e registrou uma
queixa contra Geraldo.
Cumprindo as
formalidades de praxe, o delegado intimou ambas as partes para comparecimento à
delegacia.
A vítima chega
acompanhada de um advogado. Geraldo
comparece sozinho.
O delegado lê em voz
alta a queixa e pergunta se Geraldo confirma aquilo tudo.
O torneiro-mecânico
abaixa a cabeça e diz humildemente:
- Sim, senhor!
O delegado passa-lhe
uma descompostura, compara-o a um moleque desclassificado e ameaça prendê-lo.
Como ele teve coragem de fazer tal maldade com uma pessoa idosa e tão indefesa?
Geraldo pigarreia, e
com voz grave diz:
- Peço sinceras
desculpas a esta senhora. Que ela me perdoe!
E, num gesto patético,
levanta-se, toma ambas as mãos da mulher e as beija.
A mulher se comove e
acena afirmativamente com a cabeça: Geraldo está perdoado!
O delegado se mostra
satisfeito com o desfecho do caso e diz:
- Quero saber o que
você disse a ela no telefonema.
“Mentirinha” não se faz
de rogado. Levanta-se, pigarreia, assume um ar solene, cruza os braços diante
da barriga e com voz empostada demonstra sua qualidade de excelente imitador:
repete tudo num português carregado, repleto de erres - como se o próprio Papa
estivesse falando diante deles.
O delegado fica
impressionando com aquela imitação, não se contém e acha graça. Todos começam a
rir, até o próprio advogado da vítima.
Como se arrependendo do
perdão concedido há pouco, a mulher levanta-se furiosa e deixa a delegacia
xingando:
- Safados! Vocês são todos
uns sem-vergonha!
--- Do livro Plinia trunciflora e outras crônicas (MIQUELÃO,
João Bosco. Niterói: Alternativa, 2016 – ISBN 978-85-63749-57-4).