O PROPAGANDISTA
João Bosco Miquelão
Corria o ano de 1960, e ele orgulhava-se de seu trabalho. Nessa época, trabalhar como propagandista de laboratório
farmacêutico multinacional conferia muito prestígio à pessoa que exercia tal atividade.
Ele ganhava relativamente bem e gostava do que fazia. Exercia
suas atividades com zelo e dedicação junto a farmácias, consultórios médicos, hospitais,
clínicas e laboratórios.
As pessoas que trabalhavam
nas farmácias eram amigas, e os médicos lhe dispensavam um excelente atendimento - não havia espera: a recepcionista o anunciava e, imediatamente, entre a
saída de um paciente e a entrada de outro lá estava ele colocando em prática o que
exercitara
em casa e havia aperfeiçoado com
o supervisor: a apresentação
de um novo produto
com todos os seus termos técnicos
e fórmulas químicas! Tudo muito bem decorado - até os gestos, - meticulosamente estudados.
O doutor, na maioria das vezes, prestava muita atenção no falatório ou fingia fazê-lo. Valia a pena, pois, além da "literatura", que, na maioria das vezes, ia diretamente para o cesto de lixo, havia
pequenos brindes, e, quase sempre, essas
visitas também rendiam uma grande quantidade
de amostras grátis.
Estava noivo, mas nem por isso havia desistido de comprar o carro. Se os negócio se mantivessem nos mesmos níveis dos meses
anteriores, as comissões não haveriam de cair, e ele ainda poderia contar com uma gratificação!.
A gerência regional estava empenhada em cobrir as metas estabelecidas pela matriz. Isso significava pontos para
a filial e dinheiro extra no bolso de todos.
Recebendo o dinheiro extra, pensava ele, poderia pagar a prestação dos móveis novos e reservar uma boa quantia para realizar aquele grande sonho de consumo: a entrada no pagamento de um fusca zero, do ano 1960!
Era importante fazer muito esforço para a cota ser atingida, inclusive visitar aquela farmácia tão distante.
A tarde chegava ao
fim. Depois de visitar a farmácia
longínqua e realizar boas vendas, descobriu que uma
quantia bem menor, para pagar a passagem de ônibus, resolveria
seu problema mais imediato
- estava sem dinheiro para voltar ao centro da cidade! Esquecera-se de que saíra de casa com pouco dinheiro e de que também gastara com o
almoço, cafezinhos e cigarros.
Pedir emprestado ao dono da farmácia seria inimaginável. A ideia de voltar a pé também não o animava, pois o percurso era longo, a tarde estava quente, usava
paletó e gravata, e a noite não tardaria; bem
vestido e carregando uma linda pasta,
seria um alvo fácil para ladrões.
- “Sou um sujeito de sorte, meu problema está resolvido”, disse baixinho, ao avistar um ex-colega de colégio no
ponto final do ônibus.
Ele
caminhou em direção ao rapaz.
Este, pouco cerimonioso, cumprimentou-o
e foi logo dizendo:
- “Ótimo encontrar você aqui: estou sem dinheiro e quero que pague a minha passagem!".
---- Esta crônica representa uma homenagem a um amigo que já se foi. Meu professor do jogo de xadrez, com quem mantive excelente convivência durante mais de meio século. Ficaram dele boas lembranças, inclusive o episódio acima que ele me relatou.
Contato: jbmiquelao@gmail.com.
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