segunda-feira, 26 de junho de 2017

CRÔNICA DE HOJE


DEVANEIO
João Bosco Miquelão*

O virtual

“O virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual. Contrariamente ao possível, estático e já constituído, o virtual é como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização" (Pierre Levy, 1996).


O lugar

“Não só é necessário duvidar sobre o que é o lugar, mas também se ele existe” (Aristóteles, Física, L. IV, p.209).


O Outro

“ [...]o corpo do outro lhe é tão próximo como o seu. Teria podido amá-lo da mesma forma que a ele mesmo antes que ele fosse outro e que lhe seja tão próximo como o seu [...]”(Lacan, 1962).





Solilóquio eletrônico

Esta crônica é uma alegoria da manifestação do outro - uma realidade enigmática - no interior do eu como o inconsciente, seja fora, como o outro sedutor e traumatizante que se apresenta no processo de constituição da subjetividade num ambiente virtual.

Prezado eu
Escrevo-te esta mensagem como o experimento de um novo paradigma - alguém conversando com o outro.
Enviando esta mensagem daqui e tu, recebendo-a daí. é uma ação dúplice que, antes de ser reflexiva, no sentido gramatical, ela o é no sentido mais amplo da palavra, carecendo de uma profunda reflexão.
Na verdade não sei se quem fala (ou quem ouve) sou eu ou tu, mas não se pode esquecer que, como diz o filósofo, a virtualização é um dos principais vetores de criação da realidade.
As pessoas não vão entender este diálogo. Monólogo? Pensarão em recomendar um psiquiatra! Dirão que se trata de um leve distúrbio mental - um caso de dupla personalidade - com a agravante de envolver uma figura virtual!
Nós vivemos (ou seria eu vivo?) momentos de confusão e, às vezes, até de crises. Se tu - eu, vives / vivo crise existencial, deprimido, eu - tu vivo / vives crise virtual, comprimido...
Tu ainda tens ruas com gente, a presença física de toda a família, pessoas para conversar, coisas para fazer e dedos para contar até dez!
Eu, preso nessa rede imensa, sendo repartido em bits, ora pra lá, ora pra cá, num mundo sem fronteiras em que domina a velocidade.
Aqui tudo é muito rápido, dura somente nanos - até o modo de contar, que começa de zero e só vai até um!
Ora tudo é muito pequeno – micro, mini... ou muito grande... giga, tera...E também preciso e certo... menos a criptografia, que é incerta e assimétrica.
Não existe distância física entre as pessoas, pois o tempo não é ordinário, e tudo é resolvido em binário. 

A virtualização, ainda como diz o filósofo, transforma a atualidade inicial em um caso particular de uma problemática mais geral, sobre a qual passa a ser colocada a ênfase ontológica. 

Teu silêncio quase me desanima, pois daí não vêm respostas, o que me faz continuar perguntando, sempre perguntando...
E se tu não fores o outro?                             
Sois Vós o Outro? O que não recebe nem se manifesta?
Ando confuso, repleto de incerteza racional, precisando de ajuda. Socorro! Inventem rápido o [psico]analista de sistema!
Beijos nas crianças.
Eu.
Fui!

* Cronista, revisor de textos acadêmicos e tradutor. Autor do livro Plinia trunciflora e outras crônicas (Niterói: Alternativa, 2016) – ISBN 978-85-63749-57-4).



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